terça-feira, 18 de julho de 2006

Nem sempre a lógica dita o rumo de uma carreira

direito.jpgJulgar as pessoas pela aparência é um erro que vivemos cometendo.

Especialmente no trabalho onde não se tem muito tempo para fazer avaliações profundas das pessoas. Ou o sujeito faz certo ou faz errado. Ou é interessado no trabalho ou não é. Termina o expediente, vai-se para a casa e segue a vida.

Nós tínhamos um estagiário que se chamava Eduardo (nome fictício). Eduardo era gente boa. Sempre bem disposto e gostava de conversar por horas sobre festas, cervejadas e as suas namoradinhas. Tudo normal para a idade.
Chamava-me a atenção que ele nunca tomou a iniciativa para fazer absolutamente nada por conta própria. Era sempre necessário pedir "Eduardo, pesquisa isso na internet." "Eduardo, leva o processo no fórum". E assim por diante.

A forma de tratamento comigo era um caso à parte. Não ligo muito para a forma de tratamento entre servidor/estagiário, porque a diferença de idade não é grande. Mas às vezes eu chegava na sala e ele, sentado numa cadeira inclinável (minha cadeira), com os pés em cima da mesa, dizia: "Daí chefe!"

Ele demonstrava aptidão para a carreira de policial, não só pelo "Daí chefe", mas por ser extremamente observador, fascinado pelo direito penal e pelo interesse que mostrava vivência que tinha com os clientes de um outro estágio com um advogado criminalista.

Mas Eduardo tinha um hábito estranho. Não largava os autores clássicos. Uma vez, quando ele estava conversando comigo sobre O Inferno de Dante, eu disse a ele: "Eduardo, se tu quiser passar num concurso vai estudar direito penal, processual penal, administrativo e constitucional. Esses livros que tu lê não levam a absolutamente nada".

Eu pensava: "tudo bem, o guri está no caminho certo, mas dispersa o tempo com leituras que não tinham nada a ver com concursos. Quanto tempo vai levar para se dar conta da bobagem e passar num concurso"?

Eduardo se formou e pela amizade criada no trabalho, fez questão que eu fosse às festividades.

O baile da formatura foi no sábado e o exame de ordem foi no domingo. Foi aprovado.

No mesmo ano, fez concurso de delegado da polícia federal. Foi aprovado na primeira prova.

Reprovaram o guri na entrevista, mas ele entrou com mandado de segurança e garantiu o prosseguimento no concurso.

Hoje, dois anos depois de formado, com 26 anos de idade, é delegado da polícia federal.

Aprendi que seguir uma carreira nem sempre depende de decisões fundadas na lógica. Quem tem talento é melhor mesmo ouvir o coração.

2 comentários:

  1. Tenho um aluno de alemão q era porteiro num hotel de 5 estrelas aos 18 anos e hoje, com 22, já é recepcionista e efectivo.Disse-lhe há tempos: A., você não estuda nada, sabe nada de alemão , quase nada de inglês, pouco de françês. Como conseguiu esse lugar onde se exige bons conhecimentos de línguas estrangeiras? Respondeu:Sabe o q é, professora,é q eu sou mesmo bom a resolver problemas. Todos os problemas bicudos q chegam lá, minhas colegas se atrapalham todas, eu resolvo.
    Fiquei a pensar q meus conceitos estão a precisar de revisão...
    Abraço

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  2. O que o Eduardo ganhou lendo clássicos foi uma visão mais abrangente da vida que no final das contas nos leva a resolver problemas com mais facilidade.

    Entendo o estudo focado em concursos mas acho isso muito restrito.
    O profissional é só uma parte do ser humano. A leitura não pode ser restrita a um objetivo profissional.

    E por aí.

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