domingo, 24 de setembro de 2006

O Pampa Vira Mar

Travessia dos lanchões sobre o pampa


Antônio Vicente Mendes Maciel (1830-1897), o Antônio Conselheiro, líder religioso da Revolta dos Canudos, profetizou que um dia o sertão viraria mar e o mar viraria sertão.

Se Antônio Conselheiro fosse farroupilha veria sua profecia ser realizada em solo gaúcho, com a diferença de que seria a vez do pampa virar mar.

O ano de  1838 não foi animador para a Revolução. Os farrapos fracassaram em tomar o porto de Rio Grande e continuavam sem uma saída para o mar. O sítio de Porto Alegre seguia num impasse.
No ano seguinte, a capital farroupilha foi mudada para Caçapava, numa região mais protegida, com o fim de escapar da pressão exercida sobre Piratini.

Giuseppe Garibaldi, italiano perseguido e refugiado no Brasil em razão de um levante republicano na Europa, visitou Bento Gonçalves na prisão em janeiro de 1837. Nascera o apoio dos exilados à causa republicana.

Na ocasião da visita a Bento Gonçalves, Giuseppe Garibaldi recebeu uma carta de corso, documento que autorizava apresar navios, destinando metade de sua carga à causa da revolução. Ainda no Rio, Garibaldi aprisiona o navio "Luíza", rebatiza-a de Farroupilha e orgulhosamente a bandeira tricolor da República Rio-Grandense tremula em águas brasileiras. É o primeiro navio da armada da jovem república.

Após muitos desafios (prisão em Montivideo, torturado em Buenos Aires), Garibaldi chega a Piratini no final de 1837. É incumbido da missão de fazer corso nas águas internas contra as embarcações leais ao Império. A atividade de corso (autorizada por um documento chamado de "carta de corso") consistia na autorização dada à alguém apresar navios contando que metade do valor da carga fosse destinada à revolução.

As águas internas da República, onde Giuseppe Garibaldi iria agir,  compreendia a Lagoa dos Patos, a leste da província, sob o domínio militar do Império. Mas isso não impediu os estrategistas da República engendrar um plano para conquistar Laguna, em Santa Catarina, e obter a sonhada saída para o mar. A conquista do porto seria de vital importância, visto que por ele os farrapos poderiam obter armas e dificultar as linhas de abastecimento marítimo do Império que chegavam ao porto de Rio Grande.

Mas, considerando que o porto de Rio Grande estava sob o domínio do império, como seria possível sair da Lagoa dos Patos e rumar a Laguna?

Os republicanos prepararam dois lanchões, o Farroupilha e o Seival. Os lanchões partiram rumo ao nordeste da lagoa e escaparam da armada do comandante imperial John Pascoe Grenfell, que os impôs uma desastrosa derrota em Fanfa.

Navegaram o Farroupilha e o Seival até a foz do Rio Capivari (clique aqui para conhecer a região) e de lá fizeram uma jornada épica pelo pampa, seguindo por terra cerca de 80 km, até a praia de Tramandaí. Para atravessar o pampa foram colocadas enormes rodas nos lanchões que foram puxados por juntas de bois, enfrentando o barro, o vento, a chuva e o frio do inverno gaúcho. Não obstante a ousadia do plano, a manobra de Giuseppe Garibaldi foi bem sucedida. Os lanchões chegaram ao mar e desfraudaram novamente a bandeira tricolor da República, para o espanto de Grenfell, que os esperava no Rio Capivari.

Sem dúvida foi uma das operações militares mais corajosas da história. Atravessar uma lagoa sem a segurança da superioridade bélica, sob o risco dos barcos serem esmagados pela armada imperial e posteriormente atravessar por terra 80 quilometros enfrentando as interpéries do inclemente inverno gaúcho fez da missão de Garibaldi um ato heróico, quase suicida. Mas funcionou. O feito é até hoje reproduzido nos desfiles de 20 de setembro.

Rumo a Laguna

Apenas o navio Seival resistiu a travessia até laguna. O Farroupilha, que levava Garibaldi, naufragou ao largo de Araranguá, mas o italiano sobreviveu.

Os farroupilhas fizeram um ataque coordenado por terra e mar a Laguna, com Guiseppe Garibaldi no comando do Seival e a cavalaria sob o comando de Davi Canabarro pelo litoral. Pegos totalmente de surpresa, os imperiais fogem. O povo recebe os republicanos com festa. Enfim, a República Rio Grandense obtém sua saída para o mar.

Em 29 de julho 1839 é proclamada a República Catarinense, chamada também de República Juliana, por ter sido fundada em julho.

Audácia Excessiva

Os republicanos resolvem avançar rumo ao norte. Tentam tomar a Ilha do Desterro (atual Florianópolis), mas são surpreendidos por forças superiores. Davi Canabarro ordena que frota farroupilha, reforçada pelo butim obtido em Laguna, intensifique as operações de apresamento de navios com bandeira do império.

Os navios Caçapava, Rio Pardo e Seival rumam a Santos, no litoral paulista, mas são perseguidos por forças superiores e são obrigados a retornar ao sul, travando violento combate em Imbituba, praia de Santa Catarina.

Finalmente, em 15 de novembro de 1839, um maçiço ataque das forças do império, combinando a marinha, a cavalaria e a infantaria, expulsa os farrapos de Laguna. Lages, por sua vez, resiste até o começo de 1840. É o fim da República Juliana, ou, na visão dos farrapos, o fim do sistema federativo.

Ironicamente, exatamente 50 anos após o esfacelamento da República Juliana, a República seria proclamada no Brasil, como se fosse um castigo à monarquia...

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